Rede de distribuição da Equatorial Pará, que atende 2,9 milhões de unidades consumidoras no Estado; na imagem, um eletricista faz manutenção em rede elétrica em rua residencial de município paraense.
Estado teve reajuste de 11% na conta de luz; distribuidoras de Paraíba, Santa Catarina e Paraná têm as menores tarifas.
Os consumidores do Pará passaram a ter a maior tarifa residencial de energia elétrica do país. Um reajuste médio de 11% nas tarifas da distribuidora local, a Equatorial PA, entrou em vigor na última semana, o que fez o preço da energia consumida por kWh (quilowatt-hora) passar para R$ 0,96, sem contar impostos e a taxa de iluminação pública. A média nacional é de R$ 0,72 por KWh.
A Equatorial Pará, que assumiu a antiga Celpa em 2012, atende a 2,9 milhões de unidades consumidoras no Estado. Antes do reajuste, ocupava o 4º lugar no ranking do custo da energia. Agora, superou a Enel Rio, que atende 66 cidades do interior fluminense. Os dados são da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e contabilizam os reajustes até 2ª feira (21.ago.2023).
A discussão sobre a revisão tarifária no Pará foi acalorada. No início, a proposta da Aneel era de um aumento que beirava os 16%. Depois de reclamações do governo, congressistas e entidades locais, o percentual de alta ficou em 11%, na média. O Estado tem um dos maiores índices de perda de energia do país, seja por motivos técnicos ou furto. Isso pesou no aumento. A Enel Rio, agora em 2º lugar, também contabiliza altas perdas.
No caso da Pará, a distribuição de energia ainda tem o desafio de atender áreas distantes com uma pequena concentração de consumidores. São atendidos todos os 144 municípios paraenses, que somam uma área de 1.248 mil km², cerca de 14,7% do território brasileiro. Com isso, a distribuidora atende a uma média de 17 consumidores por km². Isso impacta os custos de distribuição.
“Por ser um Estado continental, a logística e os custos para operação, manutenção e expansão da rede elétrica são muito mais altos e desafiadores que nos outros Estados. Além disso, com uma densidade demográfica muito abaixo da média nacional e com cargas predominantemente residenciais, a divisão dos custos resulta em uma parcela maior para cada consumidor, quando se compara a concessões com cargas maiores e mais concentradas”, afirmou a Equatorial PA em nota enviada ao Poder360. Eis a íntegra (36 KB).
Por causa dos índices de pobreza e do alto custo de energia, a inadimplência no Pará é alta, o que também acarreta custos para a distribuidora. Atualmente, 77% dos consumidores residenciais estão na Tarifa Social, com subsídio suportado pela CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), rateada entre todos os brasileiros por meio da conta de luz.
Também pesa no Estado o alto percentual de consumidores que migrou para o mercado livre de energia (22%), o que, no modelo atual, faz com que os custos da rede sejam divididos entre menos clientes.
AS TARIFAS MAIS BARATAS
Na outra ponta do ranking, está a Energisa Borborema (PB), com preço de R$ 0,54 por kWh. A empresa atende a 229 mil unidades consumidoras na região do agreste da Paraíba, com sede na cidade de Campina Grande (PB).
Na sequência aparecem concessionárias da região Sul, sobretudo do Paraná e Santa Catarina. As companhias que atendem menos consumidores se destacam. Segundo especialistas, por contarem com redes menores e menos complexas, a manutenção é mais simples e barata.
A diferença da tarifa por kWh da Equatorial PA para a Energisa Borborema é de R$ 0,42. Ou seja, os consumidores no Pará pagam até 77,8% a mais pela energia do que os do agreste paraibano. Se considerarmos o consumo médio de 150 kWh, a conta de luz ficaria assim:
Equatorial PA – R$ 144, antes de impostos e taxas;
Média nacional – R$ 108, antes de impostos e taxas;
Energisa Borborema (PB) – R$ 80,40, antes de impostos e taxas.
COMO É FORMADA A TARIFA
Os números da Aneel mostram uma enorme disparidade nas tarifas praticadas nas diferentes regiões do país. Há vários fatores que causam essa assimetria de preços. Ao analisar um processo de reajuste, que é anual, ou de revisão tarifária, que se dá a cada 4 ou 5 anos dependendo do contrato, a agência considera os seguintes itens:
Parcela A – remunera a geração da energia adquirida e a transmissão pelos linhões. Ou seja, a distribuidora não tem controle dessa parte;
Parcela B – trata dos custos de distribuição, incluindo a amortização de investimentos na rede, manutenção e operação da distribuidora;
Encargos – verba para bancar políticas públicas e subsídios ao setor elétrico, que são suportados pela CDE e rateados entre os consumidores. A divisão dessa conta não é uniforme e varia conforme a região.
Vanderlei Martins, professor de MBAs da FGV e especialista em planejamento energético, explica que esses mecanismos fazem com que mesmo um Estado com alta geração de energia, como é o caso do Pará, tenha tarifas caras. A distribuidora não pode comprar diretamente da hidrelétrica de Tucuruí, por exemplo, o que certamente faria o custo ser menor. O caminho são os leilões.
“O Brasil tem um modelo centralizado de geração, com todas as regiões interligadas. Cada distribuidora declara a sua necessidade de compra de energia junto ao ONS e a Aneel, que, a partir disso, vão elaborar os leilões de compra para atender essa demanda. E disso é feito um rateio entre as fontes de geração para atender as distribuidoras. Não dá para afirmar qual a fonte de energia que se está comprando”, afirma Martins.
Na conta da transmissão, que também entra na parcela A, estão os custos da ampla expansão dos linhões nos últimos anos no país, sobretudo para escoar a geração de fontes eólicas e fotovoltaicas no Nordeste. A despesa de construção e manutenção das linhas cresceu 91% de 2010 a 2022 no país.
Na parcela B, há vários itens considerados. De acordo com Ivan Marques de Toledo Camargo, professor do Departamento de Energia Elétrica da UnB e especialista em energia, o setor atua no modelo vigente incentivando a eficiência das distribuidoras. Ou seja, privilegia aquelas que prestam um bom serviço pelo menor valor possível. Ele cita indicadores que são analisados para auferir essa qualidade.
“Se a empresa investiu, isso entra na tarifa. Se a rede está bem desenvolvida e segura, o consumidor vai pagar. Também tem a operação, que é mais complexa em alguns locais. Uma rede em São Paulo, por exemplo, tem muitos consumidores por km². No Pará os clientes estão mais dispersos. Ou seja, são poucos consumidores numa região para custear esses investimentos e a manutenção. E tem as perdas. No caso das não-técnicas é o roubo de energia. Alguns Estados têm mais trambique na rede. Com isso, quem paga, paga mais caro”, disse Camargo.
Marcos Madureira, presidente da Abradee (Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia), destaca que na parcela que corresponde à distribuição entra ainda o subsídio para quem faz geração solar distribuída, que não paga pelo uso das linhas. Esse custo é rateado pelos demais consumidores que sobram na distribuidora. “Em Estados com uma parcela muito grande de consumidores de geração distribuída, afeta o custo para os demais“.
Há ainda o mercado livre de energia, que atualmente permite a consumidores conectados à alta tensão se desvincular da distribuidora e comprar energia de qualquer comercializador. Madureira afirma que ao deixar a concessionária local, esse consumidor ainda paga pelo custo de transmissão, mas ganha um desconto de 50% nessa parcela. E quem paga o restante? Quem continua na distribuidora.
Além de impactar na tarifa dos demais usuários, isso cria outra despesa para a distribuidora, também repassada aos clientes. “Temos uma grande migração do mercado regulado para o mercado livre. Isso, somado com a geração distribuída, faz cair a demanda e sobrar parte da energia comprada pela distribuidora. O mercado termina tendo que liquidar essa sobra, vendendo por um preço muito mais baixo do que comprou, e essa diferença vai para o consumidor”, afirma Madureira.
O QUE PODE SER FEITO
Para os especialistas ouvidos pelo Poder360, a alta variação no custo da energia é demonstração de como o sistema elétrico brasileiro tem um longo caminho pela frente para se tornar mais equilibrado no país. Citam, por exemplo, a necessidade de uma política mais clara sobre todas as matrizes energéticas, incluindo eólica e solar, sem que os custos dessa geração recaiam para consumidores que não dependem dessas fontes.
Marcos Madureira cita que “enquanto tivermos tratamentos especiais, vamos ter uma energia cara para o mercado regulado”, ou seja, para os clientes das distribuidoras. Ele menciona o caso da geração distribuída e do mercado livre, defende o fim ou redução drásticas dos subsídios da CDE e cita distorções que precisam ser corrigidas no setor.
“O consumidor livre, por exemplo, pode comprar eólica e solar, que têm preços menores. Mas ele termina consumindo não só dessas fontes, porque elas não geram por todo o período e não têm fornecimento seguro e contínuo. Então ele também consome energia hidrelétrica, térmica e nuclear, mas não paga por essa energia mais cara, que termina sobrando para os demais consumidores”, diz o presidente da Abradee.
Para Vanderlei Martins, especialista em planejamento energético da FGV, o setor precisa passar por uma modernização ampla, desde a alta carga de impostos, que tem oportunidade de ser revista agora com a reforma tributária, até a estrutura tarifária, inclusive com preços diferentes conforme a hora do dia, privilegiando quem consome fora do horário de pico.
Outra janela de oportunidades que ele cita para a modernização do setor é o fim dos contratos atuais. De 2025 a 2031, 20 distribuidoras terão suas concessões encerradas e precisam pleitear a renovação (leia a lista abaixo).
“A pauta que está na mesa do setor é a modernização. com mecanismos mais dinâmicos de tarifa. A Aneel está estudando novas formas para trazer mais ganhos para o consumidor e reduzir custos, trazendo mais desenvolvimento econômico. E temos que aproveitar esse momento do fim das concessões para trazer essa pauta de modernização, de segurança e previsibilidade do investimento. Hoje as distribuidoras têm muitas obrigações que no futuro, com o mercado livre, terão que ser revistas”, afirma.
Fonte: Folha Do Progresso