Há cerca de um ano, Paulo* foi dispensado da fazenda onde trabalhava, na região do Rio Tapajós, no Pará, aos 22 anos. Ele trabalhava no local há quase dez anos, sem nunca ter tido a carteira de trabalho assinada, e morava em um casebre de lona na propriedade. A jornada começava por volta de 6h e só terminava às 19h. Pelo trabalho, recebia entre R$ 50 e R$ 100 por mês. Devido a essas condições, procurou a Justiça sustentando que foi vítima de trabalho análogo à escravidão.
No processo, o homem sustenta que vivia uma situação de exploração e humilhação, com trabalho por longas jornadas e sem pausa para descanso, além da precária moradia oferecida pelo fazendeiro, o que caracterizaria trabalho análogo ao de escravo. O juiz Deodoro José de Carvalho Tavares, da Vara do Trabalho de Itaituba (PA), não concordou.
O magistrado reconheceu que havia vínculo empregatício por um período de quase dez anos – e por isso ordenou o pagamento de todos os direito trabalhistas, como salários, décimo terceiro e férias, aos quais o jovem nunca havia tido acesso. Porém, Tavares entendeu que a situação não seria suficiente para ser considerado trabalho análogo à escravidão, e não geraria expropriação de terras, conforme o artigo 243 da Constituição Federal.
“Não se vê a ocorrência de trabalho análogo à escravidão, uma vez que ele trabalhava somente de segunda a sexta-feira, conforme declinado na petição inicial, e portanto, tinha sábado e domingo de descanso e lazer. Não restou caracterizado o trabalho forçado e jornada extenuante”, afirmou.
Em depoimentos de testemunhas, há relatos de vizinhos que viam o trabalhador cumprindo tarefas na fazenda, como lida com o gado e a roça, também aos finais de semana e feriados. Para Tavares, os obstáculos de acesso a direitos tornariam o trabalho degradante, mas não o aproximaria de escravidão.
“As violações de direitos trabalhistas, por si só, não configuram trabalho escravo, vez que não afetou a capacidade do trabalhador de realizar escolhas segundo sua livre determinação”, continuou.
O juiz também não admitiu haver danos morais pela falta de anotação na carteira e negativa de direitos trabalhistas. Paulo* pedia indenização de R$ 55 mil pela situação que se prolongou por uma década.
“Para a configuração do dano moral, é necessário que o ato praticado pelo empregador repercuta na imagem do trabalhador, de modo a lesar-lhe a honra atentar contra a sua dignidade. A ausência de anotação de CTPS gera outras penalidades previstas em lei, mas não gerando, por si só, lesão a ensejar a ocorrência indenização por danos morais”.
O artigo 149 do Código Penal prevê pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência, a quem reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, exceto na condição de aprendiz; os adolescentes além dessa idade também têm proteções especiais, para permitir que o trabalho não impeça que eles frequentem a escola.
O trabalhador que moveu o processo por trabalho análogo à escravidão descreve que a fazenda tem dois lotes de 100 hectares cada um; e que, na época, havia mais de 300 cabeças de gado. Ainda assim, o fazendeiro pediu acesso à Justiça gratuita, sustentando não ter como pagar os custos do recurso. O pedido foi negado na semana passada.
O processo tramita no Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT8) sob o número 0000592-17.2021.5.08.0113. Ainda cabe recurso.
Fonte: Jota Info